Ciclos de estudo

Processo de Bolonha

Aconteceram no nosso País um forte conjunto de alterações no ensino superior, não só as referentes ao Processo de Bolonha, mas também todas aquelas que dele decorreram e sob o seu pretexto foram implementadas pela tutela. Hoje, todas os potenciais regimes transitórios que delas decorreram estão praticamente resolvidos pelo que, volvidos mais de seis anos, é de total pertinência avançar com uma avaliação séria das alterações efetivamente implementadas. Tal avaliação deve confrontar as posições que justificam as alterações com as críticas então realizadas, não só motivadas pela forte resistência à mudança, mas também pelos seus sérios opositores, procurando fazer uma avaliação clara e esclarecedora acerca das mudanças ocorridas e dos seus reais impactos e mais-valias.

A perspetiva portuguesa sobre Bolonha apresentou, desde o início, algumas debilidades. Apesar de Portugal ter sido dos primeiros países signatários da Declaração de Bolonha, participante no Processo e ainda um dos primeiros a anunciar a reforma como implementada, não quer dizer que a materialização efetiva do processo no ensino superior português estivesse de todo completa. Foi posta em causa, por estudantes e docentes, a real adaptação de Portugal a Bolonha: as alterações efetivamente aplicadas eram apenas as formais, sendo que dessas nem todas aconteceram e ainda que todas as alterações de fundo realmente relacionadas com o paradigma do ensino e aprendizagem não aconteceram de todo. E é por isto que, ao invés de se ter promovido intenso e construtivo debate em torno da temática e da aplicação integral de Bolonha, foi dada prioridade à culpabilização da resistência à mudança por parte da tutela e das instituições. Perdeu-se, em nossa opinião, oportunidade de implementar uma verdadeira revolução no ensino superior centrado na aprendizagem e adequação ao estudante, situação que lentamente está a mudar, por motivação de algumas instituições e sentido de oportunidade de docentes, dirigentes e estudantes que debatem a temática e procuram encaminhar o ensino superior em direção à necessária adaptação aos tempos e aos novos paradigmas.

Insistindo na adequação do ensino superior nacional, é certo que o número e o nome dos graus estão alterados (pela extinção de um deles - o bacharelato), que a sua duração está significativamente uniformizada, que a cada unidade curricular corresponde um número determinado de ECTS e que o seu somatório perfaz 60 anuais, 180, 240, 300 ou 360 por curso, conforme os casos e mantendo a proporcionalidade de 60 ECTS por ano. É certo também que a correspondência entre ECTS e a carga horária total de trabalho padrão não existe, sendo um dos pressupostos do sistema que mais é colocado em causa: tantas vezes percecionam os estudantes fraca correspondência entre a carga de ECTS de uma unidade curricular com a sua real adequação; certo é também que o paradigma pedagógico não sofreu a devida alteração significativa no sentido de autonomizar o estudante no seu percurso académico, colocando à sua responsabilidade e vontade a opção de se diferenciar enquanto estudante e futuro profissional de uma determinada área. Afirmamos categoricamente que aqui sim, a resistência à mudança operada por tantos docentes, tem contribuído para uma falta de afirmação de Bolonha no ensino superior português no que diz respeito à verdadeira aplicação dos seus pressupostos tendo apenas sido cumprida a adequação administrativa dos ciclos de estudo às exigências apresentadas.

Falta cumprir Bolonha, afirmando a FAP que muito há por fazer para uma efetiva materialização deste Processo no seio das instituições de ensino superior, visto que o trabalho reformista destas estagnou após as primeiras alterações realizadas. Exige assim a FAP às IES que cooperem entre si, na liberdade institucional e de pensamento que deve ser operada em cada uma delas, possibilitando finalmente que as necessárias reformas se concretizem, tantas delas defendidas pelos estudantes.

Para a FAP, a reforma que se queria era ambiciosa, mas as alterações implementadas foram, não inúteis, mas incipientes face aos resultados esperados. A mudança clara do paradigma educativo não foi conseguida, sendo evidente a necessidade de avaliar e implementar Bolonha face à sua paralisação consecutiva vislumbrada nos anos transatos. Nesta avaliação é importante atentar nas opções e nos pressupostos assumidos de base, debatendo nomeadamente a existência e fundamentação, utilidade e funcionamento dos ciclos integrados e a sua limitação ao subsistema universitário. Ao mesmo tempo devem ser implementados mecanismos de correção às alterações efetuadas quando estas se apresentam desviadas do seu propósito, nomeadamente no que diz respeito à adequação da carga de trabalho total face ao número de ECTS. É por demais evidente a necessidade de incluir os estudantes na avaliação desta relação através de inquéritos que possam recolher esses dados. Assim, defende a FAP que as instituições de ensino superior devem ser obrigadas a elaborar relatórios anuais, que devem ser públicos através da DGES e dos seus sites institucionais sobre a relação efetiva entre carga de trabalho total (e suas correspondentes parcelas: aulas, horas de contacto, trabalho autónomo) e ECTS de cada uma das suas unidades curriculares de todos os seus cursos, referentes ao ano letivo presente (2014/2015), relatórios estes que pecam já por tardios, dificultando a sua adaptação para o próximo ano letivo, reforçando novamente a necessidade de aferir estes dados junto dos estudantes.

No que diz respeito ao paradigma pedagógico, as IES devem delinear estratégias para o alterar, centrando-o no estudante e no seu trabalho autónomo, devidamente orientado. Deve ser fomentada pelas próprias instituições, alicerçadas numa política de estímulo governamental, a aposta nos cursos promovidos com recurso ao e-learning e ao b-learning como forma de fomentar o sucesso académico, a alteração do paradigma pedagógico e a disseminação da formação superior, ainda que numa primeira fase possa sempre passar por uma não conferência de grau. Portugal e as instituições nacionais não podem fugir da revolução operada pelos Massive Open Online Courses a nível mundial, sendo que deve iniciar-se hoje o investimento na mudança, sob pena de hoje a pouco tempo o País ter de correr atrás do prejuízo do qual se poderá orgulhosamente culpar devido à infinita resistência à mudança e à não adequação a um mundo globalizado, assente num investimento no ensino superior à escala mundial.

Cursos Superiores Técnicos Profissionais (TeSP)

No início de 2014, foram regulamentados os cursos técnicos superiores profissionais, apresentados como ciclos curtos de ensino superior, que motivaram a FAP a pedir o veto do diploma ao Presidente da República. Apesar de tal pedido não ter sido atendido, mantém-se a validade de todos os argumentos então apresentados.

A criação de um espaço europeu de ensino superior assentou numa comparabilidade e reconhecimento mútuo das formações nacionais, que se adaptaram para o efeito, tendo como referência comum o EQF - European Qualification Framework. Em Portugal, tal objetivo, uma vez feitas as adaptações legislativas e institucionais necessárias, está vertido no QNQ, aprovado pela Portaria n.º 782/2009, de 23 de julho. Segundo a referência europeia, nomeadamente no desenvolvimento dado nos chamados Descritores de Dublin (fixados em reunião ocorrida naquela cidade em 2004), aos três graus de ensino superior definidos no âmbito do Processo de Bolonha podem acrescentar-se ciclos curtos de ensino superior (short cycles) como parte integrante do 1.º ciclo de ensino superior ou a ele especialmente ligados.

Apesar de nunca terem sido entre nós definidos tais ciclos curtos – pelo menos com tal denominação e assumidamente como ciclos de ensino superior –, foram criados entre nós os CET, pelo Decreto-Lei n.º 88/2006, de 23 de maio, que vieram preencher o nível correspondente a tais ciclos curtos no QNQ (nível 5), articulando-se com o 1.º ciclo da mesma forma que a prevista para esses ciclos curtos, garantindo uma total creditação da formação ministrada na licenciatura correspondente.

A aprovação dos cursos técnicos superiores profissionais representa um retrocesso no âmbito da harmonização já realizada no ensino superior português ao espaço europeu de ensino superior: extinguindo os CET nas instituições de ensino superior quebra-se a ligação às licenciaturas que lhes correspondiam e não se substitui tal oferta por outra que cumpra o mesmo estado de desenvolvimento daquela harmonização. Apesar de ser uma formação mais longa do que a dos CET, não tem a ela associada a formação transversal adicional que confere a equivalência ao ensino secundário a quem ainda não o possui e não permite acreditação dos ECTS no 1.º ciclo que lhe corresponde.

A harmonização do espaço europeu de ensino superior assenta também num outro pilar: a qualidade e avaliação com bases comuns. Tais bases foram fixadas no documento European Standards and Guidelines, que, entre outros padrões, fixa a necessidade de a avaliação da qualidade dos ciclos de estudo de ensino superior ser feita por agências próprias que, independentemente do seu caráter público ou privado, tenham independência suficiente para prosseguir a sua atividade de forma independente do Governo e das instituições de ensino superior, não podendo estes ter qualquer influência direta ou indireta nos resultados das avaliações. Põe gravemente em cheque o sistema de avaliação da qualidade do ensino superior português (cujas bases constam da Lei n.º 38/2007, de 16 de agosto, que transpôs as ESG, e que é realizada pela A3ES o facto de se estar agora a criar um ciclo de estudos cuja avaliação viola os padrões europeus, uma vez que a avaliação externa é cometida pelo Decreto-Lei à DGES, organismo na dependência direta do Governo.

Ao nível do ordenamento jurídico interno as soluções constantes do Decreto-Lei em causa violam gravemente a Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, e sucessivas alterações, por admitir o acesso e ingresso no ensino superior, nestes TeSP, sem cumprir os requisitos nem obedecer aos princípios base do acesso e ingresso no ensino superior; em especial, viola-se a exigência do ensino secundário ou equivalente como requisito para o acesso ao ensino superior (sem prejuízo do regime de acesso por maiores de 23 anos e dos CET, expressamente ressalvados na LBSE), uma vez que passará a permitir o acesso ao ensino superior, nestes cursos, apenas com o 11.° ano completo. Como corolário de tal disposição, o Governo transforma na prática a frequência do 12.° ano de escolaridade em facultativa, criando um grave desequilíbrio entre percursos de educação e formação paralelos: se pela via destes novos cursos se pode aceder e ingressar no ensino superior apenas com o 11.° ano de escolaridade completo, é desadequado a exigência do 12.° ano para o acesso ao 1.° ciclo de ensino superior – defendendo a FAP que a conclusão do 12.° ano ou equivalente deve continuar como obrigatória para tal acesso e ingresso. A propósito de uma situação similar – quanto ao acesso ao ensino superior pelos estudantes do ensino recorrente – veio já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 355/2013, qualificar como «regime de privilégio injustificado» o regime anteriormente aplicado aos alunos do ensino recorrente «relativamente aos alunos dos cursos científico-humanísticos»; regime de privilégio injustificado que vem agora o Governo criar para os TeSP.

A LBSE é também violada ao estabelecer-se o âmbito local dos concursos de acesso aos novos cursos: é princípio base do sistema educativo no que se refere ao acesso ao ensino superior o âmbito nacional do concurso de acesso, sendo as exceções previstas não de ordem do tipo de curso, mas de adaptação ao tipo de destinatário (cf. Decretos-Leis n.os 393-A/99, de 2 de outubro, 393-B/99, de 2 de outubro, 64/2006, de 21 de março, e 40/2007, de 20 de fevereiro, e Portarias n.os 854-A/99, de 4 de outubro, 854-B/99, de 4 de outubro, e 401/2007, de 5 de abril). O âmbito nacional aí previsto é não apenas o mais justo e meritocrata numa realidade de numerus clausus: é que o acesso de um estudante a uma vaga no ensino superior exclui um acesso de outro estudante que concorra à mesma vaga, e, uma vez preenchidas todas as vagas, todos os demais candidatos estão excluídos; a realização do acesso por concursos locais simultaneamente à do concurso nacional subtrai vagas ao regime geral sem uma justificação razoável que justifique a localidade do concurso. Mas o concurso local é ainda desadequado por exigir que um candidato a mais do que um deste tipo de cursos tenha de multiplicar as candidaturas fazendo tantos processos de candidatura (e custeando taxas tantas vezes) quantos os cursos a que se candidata, o que é uma sobrecarga manifestamente não razoável, para além de faticamente ter mais hipóteses de acesso quem tem mais recursos económicos para fazer face a tais pagamentos múltiplos.

De sublinhar que as disposições legislativas do Governo contra ou à revelia da LBSE é mais grave do que qualquer “normal” desvio de um decreto-lei de desenvolvimento em relação à correspondente lei de bases que verse sobre outras matérias, uma vez que as bases do sistema educativo são constitucionalmente matéria de reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República e como tal sempre constitucionalmente indisponíveis ao Governo.

Finalmente, colocam-se problemas de oportunidade política e até de racionalidade económica na aplicação dos recursos públicos. A criação destes cursos, extinguindo os CET nas instituições de ensino superior, provoca uma confusão das formações que reduzem o seu valor quer para quem os realize quer para as entidades empregadoras que não percebem, no marasmo das formações, que perfil formativo e profissional corresponde a cada um. Note-se que o facto de se extinguirem os CET nas instituições de ensino superior provoca uma sobreposição desigual de duas formações de nível 5 no QNQ: CET nos estabelecimentos e organismos que os possam ministrar no ensino profissional e não superior e TeSP nas instituições de ensino superior. Ambos com o mesmo nível no QNQ ainda que um seja ensino superior e outro não! – sendo certo que a FAP rejeita também a alternativa de baixar o nível dos CET para 4 pelo simples facto de agora se querer criar estas novas formações, até porque teria repercussões nos diplomas de especialização tecnológica já atribuídos, violando a segurança jurídica de quem assim se formou.

Em suma, sobre a criação de tais cursos, não se compreende a oportunidade desta alteração na oferta formativa de ensino superior, extinguindo cursos (CET) que estavam implementados sem a devida avaliação dos seus resultados e utilidade, e inventando um novo tipo de formação que, aparte de todos os problemas supra enunciados, são inventados sem qualquer ligação às necessidades reais de estudantes, instituições e entidades empregadoras, que nunca reclamaram tal formação, a elas não se prevê que adiram, sendo mesmo resistentes à sua implementação, como até então temos facilmente verificado.

Diversificação curricular

O ensino superior do século XXI tem de ambicionar preparar os estudantes para uma vida quotidiana muito diferente da do passado. Há poucos anos atrás, o ensino superior era reservado a uma elite intelectual de estudantes, provenientes de famílias economicamente mais capazes, inserindo-se numa sociedade radicalmente diferente da que hoje conhecemos. Imperava sobretudo a transferência do conhecimento técnico, focado nas grandes áreas do saber e da aplicação da técnica e do seu conhecimento. Hoje, face à evolução social que o País conheceu, a necessidade de uma adequação a uma sociedade diferente onde nos inserimos, fruto da evolução, mas também das inúmeras alterações provocadas ao sistema de ensino superior em particular, e ao sistema educativo em geral, exige uma adequação no objetivo da formação superior. Fruto da democratização e massificação do ensino superior exige-se, hoje mais do que nunca, não apenas uma rigorosa aquisição de conhecimentos, mas também a formação de um espírito crítico, inovador e criativo, juntamente com o desenvolvimento de um conjunto alargado de outras competências transversais.

É neste contexto que a FAP defende que os ciclos de formação inicial devem incluir obrigatoriamente 5% de ECTS adquiríveis em áreas transversais e 10% de ECTS devem estar reservados para unidades curriculares optativas (de um leque suficientemente alargado de alternativas). Simultaneamente, deve o estudante poder, como parte de ambas as percentagens referidas anteriormente, inscrever-se em unidades curriculares de outros cursos de grau não superior ao seu da mesma unidade orgânica ou instituição, dentro de um sistema que ao mesmo tempo promova tal comunicabilidade das formações e evite ruturas no seu funcionamento, ou poder mesmo inscrever-se nessas unidades curriculares como créditos supranumerários do seu percurso escolar.

A FAP defende assim que neste momento deve ser feita uma análise séria, ponderando a reestruturação de planos de estudos, objetivando determinados resultados e uma coerência na formação ministrada, aplicando-lhes as alterações já acima enumeradas e afetando-lhes os recursos que forem necessários para o cumprimento das mesmas.

As alterações que advenham de uma veia reformista do ensino superior no que diz respeito aos ciclos de estudo não se podem limitar a decorrer dentro das instituições. Há efetivamente muito trabalho a realizar entre as instituições, necessário para que possa haver um sistema de ensino superior onde os pressupostos de comunicabilidade, comparabilidade, mobilidade e transferência sejam verdadeiramente possíveis e habituais. É neste sentido que deve ser promovido um reconhecimento mútuo de cursos congéneres definido a priori e automaticamente aplicado aos casos concretos, não sendo aferido de forma avulsa.

Por um lado, a FAP elogia o atual sistema em que o percurso não académico de um estudante, nomeadamente o seu percurso profissional, pode ser creditado no percurso académico. No entanto, a acrescer a isto, deve ser grande o empenho das instituições e da tutela no sentido de avançar rapidamente para um claro estabelecimento da creditação das competências não formais e relacionadas com a validação de competências adquiridas. Não faz sentido exigir um conjunto de requisitos formais (presença em aulas, trabalhos individuais ou de grupo, testes ou exames) a quem já tenha as competências adquiridas em determinada matéria, bastando que para isso faça prova da sua competência através de avaliação para o efeito. A versatilidade da aquisição de conhecimentos é hoje uma realidade que não pode unicamente ficar restrita aos bancos das escolas, pelo que urge iniciar a discussão sobre a melhor forma de validação das competências transversais dos estudantes, valorizando-as formalmente no percurso académico dos estudantes, no caso, sob a forma de ECTS.

Acesso ao Ensino Superior

O acesso ao ensino superior público é realizado tendo por base um concurso nacional de acesso cujo valor da classificação de candidatura depende necessariamente da realização com sucesso de pelo menos uma prova nacional específica única, ao invés da alternativa que são concursos locais em cada uma das instituições com provas específicas distintas. Este modelo, diferente do que hoje existe, forçaria um candidato a realizar múltiplas provas de ingresso, provavelmente com múltiplas taxas e emolumentos associados, o que para lá de ser um desperdício de tempo e de recursos, poderia fazer com que no limite existisse um favorecimento injusto, onde quem tem maior disponibilidade financeira poderia realizar um maior número de provas de ingresso. Para lá de público e de abrangência nacional, o concurso prevê que a seriação dos candidatos seja feita através dos seus resultados académicos obtidos durante o ensino secundário, acrescentada uma determinada ponderação nas provas nacionais específicas que difere conforme os ciclos de estudos que o candidato pretende frequentar, salvaguardando que exista sempre a nota mínima de 9.5 numa escala de 20 valores no caso da prova nacional ser específica, para a realização da candidatura. Pelo facto do ensino superior se tratar de formação académica, faz sentido que os critérios de acesso sejam essencialmente académicos, tal como hoje já o são, prejudicando outros mecanismos de seleção que introduzissem subjetividade na seriação dos candidatos.

A lógica do sistema de ensino superior e da sua ocupação está assente em numerus clausus, estabelecidos anualmente por cada instituição de acordo com os seus recursos. Contudo, em determinadas exceções tal princípio é desrespeitado, sendo as instituições condicionadas pelas imposições emanadas do Ministério da Educação e Ciência. Assim, fica definido um conjunto limite de vagas em cada curso, sendo colocados os candidatos com os melhores resultados em cada um até que se esgotem a totalidade das vagas disponíveis, sendo seriados de acordo com critérios públicos, conhecidos e amplamente divulgados, o que torna objetiva e transparente a seriação dos candidatos, baseada exclusivamente nos seus resultados académicos. Esta transparência apresenta a vantagem do modelo ser facilmente escrutinado pela sociedade, percebendo o contribuinte, que financia o ensino superior através dos seus impostos, a razão de determinado estudante ser colocado num determinado ciclo de estudos em detrimento de um outro que tem uma classificação de acesso inferior. Certo é que nenhum dos possíveis modelos se apresentará perfeito, mas face a uma análise séria das vantagens e desvantagens dos vários modelos disponíveis entende-se que a forma como hoje se articula o acesso está ajustada à realidade social nacional.

No entanto, apesar da concordância geral com as regras do acesso atuais, entende-se como essencial a introdução de algumas alterações, designadamente a nível formal, essencialmente focadas na desambiguação da denominação dos cursos e no alargamento do número de opções de pares estabelecimento-curso que o candidato ao ensino superior poderá selecionar na sua candidatura.

No que diz respeito à oferta formativa disponível, existe uma enorme confusão nas denominações dos cursos de formação inicial, uma vez que para a mesma área de estudos e para cursos uniformes com planos de estudo semelhantes se apresentam nomes diferentes que não refletem a proximidade do tipo de formação entre instituições de ensino superior. Em relação a alguns ciclos de estudos, dentro dos 1ºs ciclos e mestrados integrados, um candidato pode optar por 6 opções estabelecimento-curso de entre 1067 cursos disponíveis. E se dentro deste cenário existem algumas opções mais limitadas como Medicina que apenas apresenta 9 possibilidades ou Direito apenas 7, o mesmo não é verdade no conjunto de dezenas de cursos que contém a denominação engenharia, gestão, química ou informática. Nestes casos existe uma panóplia de diferentes nomes e designações que não justificam a variedade, tantas vezes inexistente.

Já foi defendido anteriormente pela FAP, bem como por outros agentes do ensino superior, a pertinência da existência de um catálogo de denominações possíveis para os cursos de formação inicial. E neste sentido, reforça a FAP tal proposta: é necessário, no sentido de simplificar e aumentar a compreensão, quer por parte dos candidatos ao ensino superior, quer por parte das entidades empregadoras, criar o referido catálogo com as diversas denominações possíveis para os cursos de formação inicial. Este processo, que tem de ser amplamente participado pelas instituições de ensino superior, deve ser despoletado no sentido de ser possível uniformizar os nomes dos cursos, o que permitirá diminuir a confusão dos candidatos ao ensino superior e alargar a compreensão dos empregadores sobre os perfis de formação que são ministrados no ensino superior nacional no que diz respeito às áreas de estudo que pretendem incorporar nas suas empresas e negócios.

Ainda no seguimento desta proposta, entende-se que a limitação existente no concurso nacional de acesso relacionada com a colocação de apenas 6 opções de pares estabelecimento-curso está desajustada da realidade. No passado, o custo processual das candidaturas serem realizadas em formato de papel exigia que um limite menor fosse necessário no sentido de dar resposta em tempo útil às candidaturas. No entanto, com a informatização de todo o processo, tal limitação mais baixa deixa de fazer sentido, ainda mais pelo facto de existirem casos de exclusão de estudantes do ciclo de estudos pretendido, devido a esta limitação processual, apesar do mérito nas classificações obtidas. Assim, propõe-se o aumento de 6 para pelo menos 10 as opções de pares estabelecimento-curso que o candidato pode inserir a fim de ingressar no ensino superior, aumentando a justiça no acesso a um sistema regulado por numerus clausus e com cursos similares, dispersos nacionalmente, em alguns casos, muito superior a apenas 6 opções diferentes.

Programa + Superior

Este programa, de iniciativa governamental, surgiu com o grande objetivo estratégico de promoção da mobilidade de jovens candidatos ao ensino superior das regiões com índices demográficos mais elevados para zonas com índices menores de atratividade, nomeadamente as regiões do interior do País. Tornou-se evidente com o tempo que as cidades ou localidades do interior (e não só) onde existem instituições de ensino superior ou polos das mesmas ficaram altamente dependentes da sua existência, sendo essas instituições fator importante de promoção da coesão territorial.

O Programa + Superior apoia isso mesmo. Através da existência de 1000 vagas potenciadas com uma bolsa de 1500€ cada, possibilita a que estudantes se candidatem ao ensino superior nas instituições selecionadas com o objetivo de preencherem vagas nessas instituições, movendo-se do litoral para o interior. Ainda que se revele interessante a estratégia do programa, é por demais evidente que é essencial que esteja integrado numa estratégia nacional de fixação de jovens em regiões de menor densidade populacional, sendo necessário também a promoção de respostas para os recém-licenciados dessas regiões como a criação de estágios e de emprego, por forma a fixar os jovens nessas mesmas regiões. Defende a FAP que esta integração é fundamental, sob pena de se perderem os jovens que entretanto migraram para realizar a sua formação superior.

No entanto, ficam ainda por resolver alguns problemas no que diz respeito à seriação dos candidatos para receberem estas bolsas. Por um lado, percebe-se que o processo de seriação dos candidatos dá favorecimento aos que apresentam uma média de candidatura mais alta, o que, por não ter havido uma prévia seleção dos cursos de cada instituição, tornou beneficiários estudantes que à partida já ingressariam em cursos onde não há falta de candidatos, significando mesmo que ainda na ausência de incentivo financeiro os estudantes já se candidatariam àquela instituição. Desta forma é necessário rever o critério de seriação dos candidatos com o objetivo de ultrapassar esta distorção.

Assim, no sentido de tornar o programa mais útil e adequado, propõe a FAP que exista uma distribuição de bolsas pelas instituições coerente com a sua taxa de não ocupação de estudantes, procurando de alguma forma beneficiar as que revelam maiores taxas de não ocupação. A acrescer a isto, é fundamental que sejam as próprias IES a escolher a que cursos pretendem atribuir as bolsas +Superior no sentido de darem preferência a ciclos de estudos com menor taxa de atratividade. Na opinião da FAP, também os critérios de desempate da seriação devem ser repensados, sendo necessário, perante estudantes com a mesma média, beneficiar aqueles que tenham colocado o par estabelecimento-curso em primeira opção ou numa opção de preferência na lista de possibilidades.

Ainda que não se pretenda com isto reduzir as vagas disponíveis para os ciclos de formação inicial, seria interessante o aumento de bolsas disponíveis tendo em vista a inclusão dos 2ºs ciclos na elegibilidade do programa.

No que concerne à avaliação discente, há medidas que devem ser implementadas, articuladas entre instituições e promovidas ativamente pela tutela a fim de efetivamente serem parte da realidade do ensino superior nacional. A FAP defende que deve promover-se um processo de avaliação discente o mais transparente e conhecido possível. Assim, no entendimento da FAP, é essencial que as fichas de cada unidade curricular estejam disponíveis e completas até ao início do período de inscrição numa unidade curricular. É fundamental que o estudante que se inscreve possa ter conhecimento claro dos objetivos, programa, métodos de avaliação, condições de frequência, regime de presenças, condições de avaliação, métodos de avaliação alternativos entre outras informações a fim de garantir que pode conhecer a unidade curricular e está apto para enveredar pela sua frequência. Defende ainda a FAP que todas as informações devem ser públicas e de acesso irrestrito nos sites das instituições, juntando a este grupo não só os regulamentos de avaliação e demais normas avaliativas, como também os dados de inscrição e classificações finais de avaliação discente sob a forma de dados agregados por cada edição da unidade curricular por ano letivo, não sendo possível agregar os dados por cada estudante. O acesso a todos estes dados por qualquer cidadão é já hoje um direito publicamente consagrado, sendo o grande objetivo reproduzir informaticamente as pautas que anteriormente eram afixadas nas instituições (apesar de algumas ainda manterem esse procedimento). Dar este passo no sentido da publicidade de todo o processo avaliativo é uma mudança que pode trazer variados benefícios não só a uma cultura avaliativa mais aberta e comparável, como a uma informação mais alargada da sociedade e do mercado de trabalho no que toca à formação ministrada e reconhecida por cada IES a cada estudante.

Mobilidade de estudantes

Algumas das medidas enunciadas anteriormente, quer de publicidade de procedimentos, quer de reconhecimento automático de cursos congéneres, podem trazer mais-valias aos percursos de mobilidade, nomeadamente à mobilidade nacional: a circunstância de hoje ser mais fácil um estudante realizar um semestre da sua formação em Espanha, na Polónia ou no Brasil do que em outra IES do seu País é uma realidade que urge ser corrigida. Assim, defende a FAP, sem prejuízo do que está por fazer e deve ser feito ao nível da mobilidade internacional, que deve ser potenciado o atual sistema de mobilidade nacional, permitindo que um estudante possa fazer até dois semestres, seguidos ou interpolados, no mesmo curso de outra IES nacional, com base em reconhecimento automático, e em regime de reciprocidade entre estudantes “recebidos” e “enviados”.

Ao mesmo tempo, defende a FAP que devem ser reforçados os meios (incluindo financeiros) para alargar a mobilidade internacional, única forma de cumprir as metas traçadas internacional e comunitariamente nesta matéria. São mais do que evidentes as vantagens para as sociedades e economias nacionais e para a integração europeia que os processos de mobilidade do ensino superior trazem.

Majorações de cálculo de classificação final de curso

São sobejamente conhecidos casos de unidades orgânicas e de instituições que atribuem classificações baixas aos seus estudantes, não porque estes são piores do que os restantes, mas porque a cultura avaliativa, historicamente influenciada, reduz alguns valores à real medida de mérito académico dos seus estudantes. É também sabido que situações inversas acontecem, não podendo ser ignorado, por quem frequenta ou interage diretamente com agentes do sistema, que situações anómalas de aumentos sistemáticos de classificações também ocorrem no panorama nacional, em determinadas instituições. Estas situações perfeitamente antagónicas aqui apresentadas devem ser motivo de real e sério debate sobre a veracidade e validade das classificações atribuídas no ensino superior, sob pena de serem mantidas situações de graves injustiças entre estudantes no acesso às profissões ou mestrados de prosseguimento de estudos.

Assim, para além de atentar às razões que estão na base destas culturas, é importante melhorar a comparabilidade entre cursos congéneres, reforçando, por exemplo, o valor da escala europeia de comparabilidade de classificações. Dessas dificuldades de comparação têm surgido mecanismos de majoração de média final de curso, situações frequentes nos cursos de Direito, o que provoca distorções graves no sistema e em nada contribui para a resolução do problema. Neste sentido, a FAP questiona a justiça de mecanismos administrativos de majoração de classificação e entende que deve ser clarificada a legalidade de tal procedimento. No nosso entender, tanto os métodos artificiais de majoração de classificações como a cultura de atribuição de baixas classificações distorcem gravemente a justiça da avaliação de competências no ensino superior nacional, pelo que exigimos no caso dos primeiros a sua total desconsideração e nos segundos uma adequação avaliativa a uma escala cujo teto máximo são os 20 valores.

Suplemento ao diploma

Sendo um documento complementar do diploma obtido por um estudante aquando da conclusão do seu ciclo de estudos, o Suplemento ao Diploma, para lá de toda a informação sobre o ensino superior do país de origem do diploma, da caraterização da instituição onde o mesmo foi conferido e de maiores especificações sobre a validade e detalhe da formação realizada, é um documento que especifica também atividade extracurricular que o estudante realizou durante o seu ciclo de estudos, atestando a sua participação em atividades de contexto associativo, cívico ou desportivo, conforme o percurso do estudante.

Sobre este documento, pretende a FAP expressar que deve existir uniformização nacional, sobretudo no que diz respeito ao tempo de espera pela sua emissão: a espera de dois meses, seis meses ou um ano ou mais por um suplemento ao diploma significa na prática a sua inutilidade, propondo a FAP que seja fixado um prazo para a emissão deste suplemento, em período não superior a um mês.

Propostas

Processo de Bolonha

  • É de total pertinência avançar com uma avaliação séria das alterações efetivamente implementadas, ao abrigo de Bolonha.
  • Devem ser implementados mecanismos de correção às alterações efetuadas quando estas se apresentam desviadas do seu propósito, nomeadamente no que diz respeito à adequação da carga de trabalho total face ao número de ECTS.
  • As instituições de ensino superior devem ser obrigadas a elaborar relatórios anuais, que devem ser públicos através da DGES e dos seus sites institucionais sobre a relação efetiva entre carga de trabalho total (e suas correspondentes parcelas: aulas, horas de contacto, trabalho autónomo) e ECTS de cada uma das suas unidades curriculares de todos os seus cursos.
  • O paradigma pedagógico deve ser alterado, centrando-o no estudante e no seu trabalho autónomo, devidamente orientado.
  • Deve ser fomentada pelas próprias instituições, alicerçadas numa política de estímulo governamental, a aposta nos cursos promovidos com recurso ao e-learning e ao b-learning como forma de fomentar o sucesso académico, a alteração do paradigma pedagógico e a disseminação da formação superior, ainda que numa primeira fase possa sempre passar por uma não conferência de grau.

Cursos Superiores Técnicos Profissionais (TeSP)

  • Deve ser a A3ES e não a DGES a realizar a avaliação externa destes cursos superiores técnicos profissionais.
  • A conclusão do 12.° ano ou equivalente deve continuar como obrigatória para acesso e ingresso ao Ensino Superior.
  • A existência de concursos locais é desadequada por exigir que um candidato a mais do que um deste tipo de cursos tenha de multiplicar as candidaturas fazendo tantos processos de candidatura (e custeando taxas tantas vezes) quantos os cursos a que se candidata, devendo ser alterada.

Diversificação curricular

  • Defendemos que os ciclos de formação inicial devem incluir obrigatoriamente 5% de ECTS adquiríveis em áreas transversais e 10% de ECTS devem estar reservados para unidades curriculares optativas (de um leque suficientemente alargado de alternativas).
  • O estudante deve poder, como parte de ambas as percentagens referidas anteriormente, inscrever-se em unidades curriculares de outros cursos de grau não superior ao seu da mesma unidade orgânica ou instituição, devendo mesmo inscrever-se nessas unidades curriculares como créditos supranumerários do seu percurso escolar
  • Deve ser promovido um reconhecimento mútuo de cursos congéneres definido a priori e automaticamente aplicado aos casos concretos, não sendo aferido de forma avulsa.
  • Deve ser grande o empenho das instituições e da tutela no sentido de avançar rapidamente para um claro estabelecimento da creditação das competências não formais e relacionadas com a validação de competências adquiridas.

Acesso ao Ensino Superior

  • Manifesta-se a concordância geral com as regras do acesso atuais, entende-se como essencial a introdução de algumas alterações.
  • Defendemos a pertinência da existência de um catálogo de denominações possíveis para os cursos de formação inicial.
  • Propõe-se o aumento de 6 para pelo menos 10 as opções de pares estabelecimento-curso que o candidato pode inserir a fim de ingressar no ensino superior.

Programa + Superior

  • É necessária a promoção de respostas para os recém-licenciados das regiões de baixa densidade populacional abrangidas por este programa, como a criação de estágios e de emprego, por forma a fixar os jovens nessas mesmas regiões.
  • Propõe a FAP que exista uma distribuição de bolsas pelas instituições coerente com a sua taxa de não ocupação de estudantes, procurando de alguma forma beneficiar as que revelam maiores taxas de não ocupação.
  • Os critérios de desempate da seriação devem ser repensados, sendo necessário, perante estudantes com a mesma média, beneficiar aqueles que tenham colocado o par estabelecimento-curso em primeira opção ou numa opção de preferência na lista de possibilidades.
  • Seria interessante o aumento de bolsas disponíveis tendo em vista a inclusão dos 2ºs ciclos na elegibilidade do programa.

Avaliação discente

  • Defendemos que deve promover-se um processo de avaliação discente o mais transparente e conhecido possível.
  • É essencial que as fichas de cada unidade curricular estejam disponíveis e completas até ao início do período de inscrição numa unidade curricular.
  • Todas as informações devem ser públicas e de acesso irrestrito nos sites das instituições, juntando não só os regulamentos de avaliação e demais normas avaliativas, como também os dados de inscrição e classificações finais de avaliação discente sob a forma de dados agregados por cada edição da unidade curricular por ano letivo.

Mobilidade de estudantes

  • Deve ser potenciado o atual sistema de mobilidade nacional, permitindo que um estudante possa fazer até dois semestres, seguidos ou interpolados, no mesmo curso de outra IES nacional, com base em reconhecimento automático, e em regime de reciprocidade entre estudantes “recebidos” e “enviados”.
  • Defende a FAP que devem ser reforçados os meios (incluindo financeiros) para alargar a mobilidade internacional, única forma de cumprir as metas traçadas internacional e comunitariamente nesta matéria.

Majorações de cálculo de classificação final de curso

  • Devem ser motivo de real e sério debate sobre a veracidade e validade das classificações atribuídas no ensino superior, sob pena de serem mantidas situações de graves injustiças entre estudantes no acesso às profissões ou mestrados de prosseguimento de estudos.
  • É importante melhorar a comparabilidade entre cursos congéneres.
  • É importante esclarecer a legalidade de mecanismos administrativos de majoração de classificação que distorcem gravemente a justiça da avaliação de competências no ensino superior nacional.

Suplemento ao diploma

  • Deve existir uniformização nacional, sobretudo no que diz respeito ao tempo de espera pela emissão do suplemento ao diploma. Propõe a FAP que seja fixado um prazo para a emissão deste suplemento, em período não superior a um mês.